A Lenda do Pequi – O Fruto do Amor

29/04/2019 Por LAURENICE Noleto Off

Conta uma lenda indígena, que Tainá-racan era uma linda índia da Amazônia brasileira. Tinha os olhos cor de noite estrelada e seus cabelos eram como fios de seda negra.
O andar, elegante como o de uma deusa passeando por entre as flores.

Um jovem e formoso guerreiro de uma tribo vizinha – Maluá -, assim que a viu, sentiu forte fogo no corpo e o coração saltando no peito:
“Ela é linda como a estrela da manhã. Hei de amá-la enquanto durar a minha vida!”

Pouco tempo depois, estavam casados.
A vida deles era bela e alegre como o ipê florido. Todas as manhãs, Maluá saía para caçar e pescar, enquanto Tainá-racan sentava-se na porta de sua oca, tecendo colares e esteiras, moqueando o peixe e preparando o calugi (bebida indígena feita da mandioca), para ofertar ao seu amado quando voltasse.
Ao seu lado, sempre se deitava um jacaré, lhe fazendo companhia e conversando, pois, nessa época, os bichos também falavam.

O tempo foi passando….
Caíram as flores. Os cajueiros arcaram de fartura e beleza seus galhos com frutos vermelhos. As castanhas escondiam-se no seio da terra boa. As cigarras enchiam as matas com sua forte sinfonia.

Após três anos de casamento, numa noite bonita, deitados numa pedra grande à beira do rio calmo, Maluá encostou a cabeça no peito de Tainá-racan e apertou-a com ternura.
– Está triste, amado meu?
– Sim. Você sabe que eu estou triste e você também está. Nossa dor é a mesma.
– Onde está nosso filho que Cananxiué não quer mandar? – disse Tainá-racan.

Maluá alisou com carinho o ventre da formosa esposa, dizendo: “E o nosso filho não vem”, murmurou.
Dois pequeninos rios de lágrimas deslizaram pelas faces coradas de Tainá-racan. Um vento forte fez balançar as árvores da floresta e arrepiou as águas do rio. Uma nuvem escura cobriu a lua. Trovões reboaram ao longe. Maluá abraçou Tainá-racan e amou-a.
– Nosso filho virá, sim. Cananxiué também o quer – disse ele.

Luas depois, quando os ipês voltaram a florir, numa madrugada alegre, nasceu Uadi, o Arco-Íris. Era lindo, gordinho, tinha os olhos cor de noite estrelada, como os da mãe, e era forte como o pai.
Mas, havia nele algo diferente, que espantou o pai, a mãe, a tribo inteira: Uadi tinha os cabelos dourados como as flores do ipê amarelo. Ainda assim, Maluá recebeu o nascimento do filho com alegria. E, para explicar a sua diferença, espalhou pela tribo que Uadi era filho de Cananxiué. Mas os próprios índios de sua tribo, zombavam dizendo que Uadi era filho do jacaré.

Alheio às piadas maldosas, o menino crescia cheio de encanto, alegria e com uma inteligência incomum. Fascinava a mãe, o pai, a tribo toda. Com rapidez incrível, aprendeu o nome das coisas e dos bichos. Com sua mãe, aprendeu a cantar as baladas tristes e alegres de seu povo. Era a alegria da tribo.

Um dia, Maluá, com outros guerreiros, foi chamado para uma guerra. Os olhos pretos de Tainá-racan encheram-se de lágrimas. O rostinho alegre de Uadi se entristeceu. À despedida, seus bracinhos agarram-se ao pescoço do pai e falou: “Papai, também estou indo embora. Vou pra casa de minha mãe, lá no céu”. E, com o dedinho, apontou para o alto.

O corpo do guerreiro se estremeceu. Seus lábios moveram-se, mas as palavras não saiam. Ele apertou o menino nos braços, com força, e, por fim, falou: “Que é isso filhinho, você não vai a lugar nenhum. Ninguém arrancará você de mim. A sua casa é aqui na terra. Se for preciso, não partirei para a guerra. Ficarei com vocês”.

Nesse momento, Cananxiué, o senhor de todas as matas, de todos os animais, de todos os montes, de todas as águas e de todas as flores, desceu do céu sob a forma de Andrerura, – a arara vermelha – e gritou um grito forte e esgarniçado: “Vim buscar meu filho!”
E agarrou Uadi e o levou pelos ares.

Tainá-racan e Maluá caíram de joelhos. O guerreiro abriu os braços gritando: “O filho é nosso, sua casa é a de sua mãe, Tainá-racan, aqui na terra! Devolve meu filho”! O grito de Maluá ecoou pela mata, ferindo de dor o silêncio. O peito do guerreiro sofria como uma aroeira ferida pelo machado.

O velho chefe guerreiro aproximou-se, bateu-lhe no ombro e bradou: “Maior que sua dor é sua honra de guerreiro e a glória de nossa tribo! Cananxiué buscou o que disseste que era dele. Muitos outros filhos ele vai lhe dar. Tainá-racan é jovem. Você é jovem. Vai, guerreiro, não deixa a dor matar sua coragem!”

Maluá partiu. Tainá-racan chorou três dias e três noites na sua oca. E o jacaré, seu amigo, que veio da mata ao escutar os seus gritos de dor, ficava deitado à sua porta, dia e noite, tomando conta dela. Uma noite, o jacaré implorou a Cananxiué que tivesse piedade dela, prometendo ir embora para sempre, nunca mais falar com os humanos e morar somente nas margens dos rios, se a fizesse novamente feliz.

Ouvindo-o, Cananxiué tomou novamente o corpo de uma arara vermelha e voltou à terra, dizendo a Tainá-racan : “Das suas lágrimas nascerá uma planta , que crescerá como uma árvore copada. Ela dará flores cheirosas que as pacas, veados, capivaras e os lobos virão comer nas noites de luar. Depois, nascerão frutos. Dentro da casca verde, os frutos serão dourados como os cabelos de Uadi. Mas a semente será cheia de espinhos, como os espinhos da dor de seu coração de mãe. Seu aroma será tão tentador e inesquecível , como você o será sempre para o seu amigo jacaré. E aquele que o provar, jamais o esquecerá”.

Tainá-racan ergue o olhar e lhe pergunta:
– Cananxiué, meus deus, e como se chamará esse fruto, cujo coração são os espinhos de minha dor, cuja cor são os cabelos de ouro de Uadi e cujo aroma é inesquecível como o cheiro dessa mata, onde brinquei com o jacaré e meu filhinho?

– Chamar-se-á Tamauó, minha filha.
Tainá-racan sorriu. E imediatamente viu nascer uma planta, que chamou de Tamauó. A mesma que os índios mehinako, do Xingu, conhecem como akain; e que os homens brancos, do Norte, Nordeste e Centro-Oeste chamam de Pequi .

E, quando Maluá voltou, encontrou uma linda, grande e frondosa árvore, cheia de frutos, chamada de pequizeiro. Ele pegou alguns no chão, partiu, tirou os caroços dourados e os comeu, com farinha, junto com Tainá-racan. E depois, se amaram muito, ali mesmo à sombra do pequizeiro.

Assim foi que, durante muitos anos a seguir, sempre que os ipês e os cajueiros voltavam a florir nas
matas e os pequizeiros também deixavam seus frutos maduros cair na terra, servindo de alimentos para todos, Tainá-racan e Maluá eram abençoados com mais filhos. E, a cada filho que nascia, plantavam mais um pequizeiro. E eles tiveram muitos filhos. E viveram muito felizes para sempre.

Observação:
Ainda hoje, no Xingu, muitos índios plantam mudas de pequizeiros ao nascimento de cada bebê. Fazem também grande festa na época da colheita dos frutos. Mapulawache – a Festa do Pequi – é cheia de brincadeiras provocativas e que despertam a sexualidade dos jovens índios, homens e mulheres. Muito alegres e brincalhões, dizem que o cheiro do pequi lembra o sexo das índias, por isso, quem os come, se enche de amor e tem muitos filhos.

Mantendo a tradição da lenda indígena, também os jovens brancos que moram nos sertões goiano e tocantinense gostam de passear nas matas do Cerrado, depois que começam as chuvas, levando uma cuia com farinha, pra comer com o pequi maduro que colhem do chão. Dizem que, se o fruto for tirado ainda verde, fica amargo. E, nove meses depois da temporada dos pequis, muitas crianças nascem no sertão, reforçando a crença, agora já comprovada em laboratórios científicos, do poder afrodisíaco do pequi – o fruto do amor.

* Texto adaptado por Laurenice Noleto Alves (2010), com base no conto “Os Frutos Dourados do Pequizeiro”, de Marieta Teles Machado, Editora UCG, 1986; nas lendas dos índios Mehinako, do Alto Xingu; e costumes e lendas dos povos do Cerrado.